Não posso deixar de documentar esse detalhe porque me deixou bem alegre quando aconteceu. Poucos dias atrás estava em sala de aula, fazendo o acompanhamento do trabalho de alguns alunos de uma turma de 3D. Com a proximidade do final da matéria, depois meio ano, as surpresas começaram a aparecer. O período de férias passou; o recesso de fim de ano e feriados prolongados também e deixou a matéria mais longa do que deveria.
Como a melhor forma que se conhece (para conseguir algo) é a teimosia, ela também pode ser a nossa melhor “arma” para colocar os trilhos da ferrovia fora do lugar padrão e no final transformar um distancia enorme em um mero par de horas para se chegar ao nosso destino.
Qualquer disciplina de 3D tem seus típicos problemas “padrão FIFA”: interface complicada, muitos comandos (até de mais da conta), modos de trabalho (mais de um comum), adicionar objetos, deletar linhas ou pontos, virar os objetos, colocar luzes, cores, texturas, câmeras... é tanto detalhe que alguma coisa acaba faltando e sim, muitas coisas acabam faltando.
Esses alunos não têm muito mais que 20 anos enquanto outros acabaram de chegar ao 15° verão da vida deles. Independente da vivência de cada um, todos precisam aprender alguma coisa nessa disciplina. O pior (porém não menos importante) é o não gostar. Apesar de ser instrutor de 3D, sim, levei bomba da matéria na faculdade. Sorte a deles não precisarem fazer essas coisas a mão como precisei fazer. Azar o deles porque eu também passo esse conteúdo mas de forma não tão pratica que na mão parece não fazer muito sentido.
Explicar apenas qual é o princípio desse programa os faz pensar um pouco melhor sobre a matemática que eles aprendem na escola. Mesmo que a idéia básica seja aplicar matrizes nos eixos X, Y e Z (como conjuntos de planos cartesianos), até chegar na pratica, demora um certo tempo. Além disso, a matéria precisa ser pratica desde o primeiro momento. No meio desse tortuoso caminho perceptivo, faço um trabalho de colagem embalagem onde eles devem recortar e montar alguns dados de RPG em papel. Com um formato grande, a noção espacial deles (dentro do programa 3D) melhora após esse trabalho.
Quando chegamos na junção desses conhecimentos todos, a pratica, a teoria e o olhar deles, sobre o mundo, melhora e as coisas começam a sair do lugar comum. A nuvem de medo, das duvidas e o nervosismo que imperava nas primeiras aulas desaparece num estalar de dedos. Alguns leves sorrisos de “satisfação” e caras surpresas de “Wow, então é assim que funciona?” surgem com a evolução das aulas. Junto a isso, temos a melhoria dos trabalhos deles.
Desafios fazem parte do trabalho e a evolução só acontece graças a eles. Ouvi a seguinte mensagem com um ex professor “só faço trabalhos que não sei para os meus clientes!” uma frase um tanto quanto espantosa mas com a argumentação certa se torna coerente. Então, esse professor continuou “se eu fizer coisas que sei, farei mais rápido, precisarei de mais clientes para continuar a trabalhar e meu valor irá cair porque estou ficando melhor naquilo que faço!” e realmente faz muito sentido. Quando fazemos coisas que não sabemos, aprendemos novas formas de resolver problemas e desenvolvemos nossa percepção e capacidade de entender como o mundo se move.
Quando comecei a fazer as aulas de 3D, não imaginava que seria um tremendo desafio. As reclamações com relação a dificuldade da matéria e padrão porém, existe uma luz no fim do túnel e foi justamente isso que aconteceu essa semana.
O trabalho que passei foi individual. Num grupo de seis personagens, escolher apenas um e modelar ele inteiro. Em um conjunto de treze cenários diferentes, modelar também apenas um deles. Arrumar a iluminação da cena, o personagem (dentro da cena), as cores, as texturas e o esqueleto do personagem e fazer uma pose final para o trabalho que será entregue. A pose e o esqueleto, mesmo que eles saibam, não sei se irei considerar. O esforço de agora foi muito grande e alguns até ajudaram outros a começar a fazer o personagem faltando 4 aulas para terminar a disciplina. Ponto extra para o aluno que ajudou? Quem sabe?
Numa turma de 32 alunos, onde 23 tinham interesse, e quatro deles já saíram do curso, até que tenho um bom numero de trabalhos que podem gerar algum resultado palpável. Enquanto os atrasados, ficaram com uma Lotus F1 modelo de 1949 ou uma BMW para modelar e tentar recuperar as notas perdidas, os outros continuam nos seus personagens. A parte complexa será a parte interna da BMW que eles precisarão rachar a cabeça pra fazer direito. Vamos ver o resultado porque não irei ajudá-los dessa vez.
Durante esse processo todo, alguns alunos começaram a gostar da matéria e ver na prática o porquê de aprender uma coisa complexa que agora, não é mais tão complicada. Alguns deles falaram que ficaram fins de semana inteiros modelando “coisas” para conseguir fazer seus personagens e cenários. Outros procuraram e fizeram tutoriais da internet e chegaram a resultados que juntaram aos seus projetos finais. Essa busca me deixou bem feliz.
Quando comecei a ver o esforço deles se tornando realidade, na ultima semana, e a minha voz estava quase indo pro ralo, os parabéns começaram a acontecer. Alguns realmente fizeram bons personagens (tem chance de trabalhar com arte final e modelagem para pequenos estúdios), outros fizeram cenários lindos (e levam muito jeito para a arquitetura). Enquanto os retardatários eu continuo esperando aqueles carrinhos. To pensando em fazer aquela Lotus 1949. Realmente, parece ser mais fácil que o BMW.
Até lá, ficarei com essa turma para ver até onde eles chegam e podem crescer nesse finalzinho de curso. Se depender de qualidade, ainda tem muito que melhorar. Se depender da força de vontade daqueles que fizeram algo, preciso procurar a vagas para eles.
Ao menos, essa galera que fez a sua parte, já perguntei “quem quer participar do Global Game Jam do ano que vem?” mais da metade da turma quer e isso me deixou com um frio na barriga acima do esperado. No ano que vem tem mais! Dias de um fim de semana zumbi! Global aqui vamos nós!
Thiago C. Sardenberg
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